A polêmica envolvendo o escritor Monteiro Lobato ainda está longe de terminar. Nesta terça-feira, após mais de três horas de discussão, o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto de Advocacia Racial (Iara) encerraram a primeira audiência de conciliação sobre o livro Caçadas de Pedrinho sem chegar a um acordo. Uma nova reunião foi marcada para o dia 25 de setembro.
O encontro de hoje foi mediado pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o Iara entrar com um mandado de segurança questionando a utilização do livro no Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), no qual consta como leitura obrigatória. O motivo: Monteiro Lobato emprega trechos considerados racistas.
Em algumas passagens, a personagem Tia Nastácia é comparada a uma "macaca de carvão". Em outra, há a seguinte citação de Emília: "é guerra e das boas. Não vai escapar ninguém - nem Tia Nastácia, que tem carne preta".
Humberto Adami, advogado do Iara, justifica que a entidade não quer proibir ou censurar o livro, mas passar aos alunos da rede pública que o preconceito racial deve ser combatido. Para Adami, uma saída seria a publicação de uma nota explicativa nos livros e a capacitação dos professores para que os alunos sejam orientados a apresentar explicações em sala de aula.
"O que não pode é dar esse tratamento de banalidade em relação ao tema, dizendo que é assim mesmo, é comum, que foi sempre assim, que ele escreveu em uma outra época, quando na verdade tem um problema sim. Isso provoca a realimentação e a reintrodução do racismo, provoca a reinvenção do racismo na sala de aula. Depois, não adianta fazer campanha de educação pra combater o bullying se você não ensina as crianças que elas não podem chamar a colega de maca preta, dizer que ela vai subir na árvore como uma macaca de carvão e dizer que isso não provoca nenhum efeito. Provoca, sim", disse o advogado.
Após a reunião, Cesar Callegari, secretário de educação básica do MEC, manteve a posição inicial do governo de combate à censura. "Nós somos completamente contrários a qualquer forma de censura, ainda mais um autor como Monteiro Lobato. Não vamos censurar Monteiro Lobato", afirmou.
Para o ministro Luiz Fux, houve avanço entre as partes, uma vez que a discussão será ampliada a outros livros. "Vai ser implementado num âmbito maior do que no processo que corre aqui, que diz respeito a apenas um livro de Monteiro Lobato. Eles vão buscar estabelecer modos de implementação prática de tudo que esta incluído no parecer", disse o ministro.
Parecer
Em 2010, o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão independente associado ao MEC, recomendou a retirada do livro, publicado em 1933, da lista do Programa Nacional Biblioteca na Escola. No ano seguinte, porém, acabou publicando um parecer homologando sua inclusão após o compromisso de o MEC incluir a nota explicativa. Procedimento semelhante já havia sido adotado em relação a trechos do livro que abordam a caça de onças pintadas. A nota afirma que trata-se de crime inafiançável.
O expediente, porém, nunca foi colocado em prática. Os livros continuaram a ser publicados sem qualquer ressalva aos trechos considerados racistas, o que motivou o Iara a entrar com um mandado de segurança pedindo a reforma da homologação do CNE.
"Se ficasse tudo resolvido só com o parecer, não estaríamos aqui discutindo isso. A atividade do MEC não pode se limitar apenas a elaboração de um parecer, ele tem de partir para a demonstração concreta da política social. Nós achamos que há mais a ser feito. O parecer, em si, não vai modificar muita coisa. Como ele vai implementar políticas se os resultados são precários?", questiona Humberto Adami, lembrando que de um universo de 2,6 milhões de professores, apenas 69 mil foram capacitados pelo MEC.